A entrevistada deste mês é carioca, mestre em Língua Portuguesa pela UFRJ e hoje está no Timor-Leste dando aulas de português. Antes de ir para lá, Vivian Paixão já havia trabalhado como professora de língua portuguesa e literatura no Ensino Médio e como especialista de projetos linguísticos no Google (onde nos conhecemos!). Nesta entrevista, ela conta tudo sobre sua experiência como professora no Programa de Qualificação Docente e ensino de Língua Portuguesa no Timor-Leste (PQLP). Como eu sabia muito pouco sobre a vida no Timor-Leste, achei que seria uma excelente oportunidade de se aprender um pouco mais sobre este país e sobre a experiência fascinante da Vivian. Check it out!
EiB: De onde surgiu o interesse para participar do PQLP, e como foi o processo seletivo?
VP: Na verdade, eu conheci o programa por acaso. Uma amiga que adora experiências “aventureiras” me mandou o edital, pesquisamos um pouco e descobrimos algumas coisas sobre o país, mas muito pouco sobre o PQLP. No final das contas, eu acabei fazendo o processo seletivo e ela não. A seleção se deu em três etapas: um projeto de atuação pedagógica em Timor-Leste, uma prova escrita (feita online) e uma entrevista por videoconferência com os coordenadores do programa. Eu não fui selecionada logo. Fiquei em uma lista de espera, mas logo perdi as esperanças achando que não iam me chamar, pois já havia esgotado o prazo. Qual não foi minha surpresa quando, alguns meses depois, recebi um e-mail de convocação!
EiB: Você recebe algum apoio financeiro? Ele é suficiente?
Sim, os cooperantes recebem uma bolsa da Capes e, mesmo com o custo de vida alto em Timor-Leste, o valor é suficiente para viver aqui numa boa e viajar. Aliás, somos bastante encorajados pelo programa a fazer viagens – isso está explicitado até mesmo no edital do processo seletivo.
EiB: Como está sendo a experiência de lecionar no Timor Leste?
VP: Uma experiência única, muito diferente de tudo que já vivi. O português é uma das línguas nacionais em Timor-Leste – além de ser língua oficial, está intensamente relacionado com a história e cultura do país. Apesar disso, a maioria dos timorenses não sabe falar português. Então, ser professora de português aqui é totalmente diferente de ser professora de português como língua materna, mas também não é o mesmo que ser professora de português como língua estrangeira, já que, afinal de contas, a língua portuguesa também pertence a esse povo.
Vivian em ação!
Alunas concentradas na UNTL
EiB: Você está gostando de morar aí? Qual a sua rotina?
VP: Estou gostando, sim. A vida em Díli, na verdade, não é tão diferente assim daquela com que eu estava acostumada no Brasil. Na capital, temos a maioria dos confortos das grandes cidades. É claro que não é igual ao Rio de Janeiro, mas é bem mais desenvolvido do que eu imaginava antes de chegar. Em alguns aspectos, considero que tenho mais qualidade de vida aqui: por exemplo, não preciso acordar tão cedo, já que não enfrento congestionamentos diários. Até aprendi a andar de moto, já que este é o principal meio de transporte por aqui! A preocupação com a violência urbana também não é tanta – ela existe, sim, mas não é tão visível quanto nas capitais brasileiras. Por outro lado, há algumas coisas incômodas, como o calor de matar e a poeira.
EiB: O que mais te surpreendeu nesta experiência até o momento?
VP: Como eu vim pra cá sabendo muito pouco sobre Timor-Leste, o que mais me surpreendeu foi descobrir mais sobre a história do país, e perceber que as atrocidades que foram cometidas aqui num passado não tão distante passaram completamente despercebidas para o resto do planeta. Posso dizer que o que mais me impactou foi ouvir as tantas histórias de pessoas comuns sobre o período de dominação indonésia, relativamente recente na história do país. Ao mesmo tempo em que é fascinante conhecer a história timorense através dessas narrativas, dá um embrulho no estômago pensar que uma situação tão extrema de sofrimento tenha sido ignorada por tanto tempo. Outro fato muito interessante é que aqui, neste país tão pequeno, existem 16 línguas nativas (e seus respectivos dialetos), além do português e da língua indonésia. Geralmente, os timorenses falam uma das línguas ágrafas nativas dos distritos e o tétum (língua nativa oficial, de papel unificador). Quase todos falam também a língua da vizinha Indonésia, pois ela foi imposta no período da invasão; além de estar massivamente presente na televisão e nos produtos de importação.
Vivian com alguns de seus alunos
EiB: Qual o cenário do ensino/aprendizado de inglês no país?
VP: O inglês é considerado língua de trabalho em Timor-Leste. Acredito que tenha ganhado muita força, principalmente, com a presença maciça dos australianos por aqui. Também há várias pessoas de outros países da Ásia vivendo aqui, como filipinos, chineses e tailandeses, que usam o inglês para se comunicar. É interessante que, apesar de a língua inglesa não ter uma ligação tão profunda com a cultura timorense quanto a portuguesa, não são raros os casos de timorenses que falam o inglês melhor que o português. Vejo isso principalmente entre as pessoas que trabalham no comércio e que lidam muito com o público estrangeiro. Aliás, dia desses mesmo eu comentei sobre essa questão com uma amiga: nunca imaginei que o inglês me seria tão útil (e necessário) aqui em Timor-Leste!
EiB: Conte-nos sobre o povo timorense. Como eles te receberam?
VP: Nesse ponto, é difícil fazer generalizações. Aqui em Timor-Leste há muitos estrangeiros (ou malae, como somos chamados na língua tétum), e a forma com que os timorenses lidam com isso varia bastante. No ambiente de trabalho, como nas universidades, percebemos grande respeito e admiração, tanto por parte dos colegas quanto dos alunos. Em geral, eles são bastante formais, e nós, brasileiros, temos que tomar certo cuidado com nossa “falta de modos” em algumas ocasiões (risos). Ao que parece, porém, os timorenses têm uma grande simpatia com nosso país, como percebemos pela música sertaneja que toca em todos os cantos. É muito legal ver a reação entusiasmada de alguns timorenses quando perguntam nossa nacionalidade e descobrem que somos do Brasil.
Batendo um papo com os timorenses
EiB: Muito obrigada por compartilhar suas experiências conosco! Eu e os leitores do English in Brazil te desejamos MUITO sucesso!
VP: Eu é que agradeço! Para mim é uma verdadeira honra ser entrevistada no EiB. Minha experiência aqui em Timor-Leste é bastante modesta, mas espero despertar o interesse de alguns dos leitores do blog para conhecer um pouco mais da realidade deste lugar encantador — especialmente para quem é apaixonado por línguas!
Universidade Nacional Timor Lorosae (UNTL)